Quando a estória esbarra na realidade

Estando no caixa do mercado, termino de passar a minha compra, quando na hora exata de pagar, passam 3 meninos de pés no chão, e só de calção. O menor, e que parecia também ser o mais velho, lambendo os dedos lambuzados de doce. Os outros 2 vinham andando mais devagar. Na minha frente aparece uma carinha assustada, levantando os braços, mostra um pacote de salgadinhos e um litro de iogurte. Minhas compras estavam ainda, sobre o balcão, retirei itens e disse: “pode somar com mais aquele”. Na mesma hora, o outro grita feliz: posso também? Aquele instante a gente esquece quanto já extrapolou do orçamento. Aqueles olhinhos brilhantes de esperança me cativaram. “Vá lá!” - respondi. Ele saiu correndo pelos corredores buscar seu presente. Para minha surpresa o menor, com a voz possante, grita “me dá! Eu também quero!”. Aí já estava ficando uma compra bem salgada, mas pensei, tirei outros itens e disse: “Vá lá”. Ele saltou veloz no balcão e volta em segundos com as mãos cheias de iogurtes e “otras cositas” mais. Aí reclamei - “Não foi o combinado”. Ele gritava: “Você prometeu!”. O grito era insultante. Aí já não se tratava apenas do valor. Eram os “valores” emocionais, que estavam em jogo! Juntou de gente. As filas enormes dos caixas ao lado, todos prestando atenção. Veio o fiscal e impôs ordem. “Ela não quer gastar mais que isso que ela já pagou!”. Ele sentou-se no banco mais adiante e aos berros me acusava: “Você prometeu tem que cumprir!”. Sentei ao lado dele e com voz calma tentei falar. “Quero ajudar você na medida em que eu posso. Eu não combinei uma dúzia de danoninhos. Vamos combinar de novo. Quanto é o seu iogurte?”. Ele diz: “Me dá cinco real!”. Concordei. Ele sai correndo e traz caixa de bombom de marca, em exposição, ali próximo. Os outros meninos, quietos, com o presente em mãos olhavam para mim. Eu disse: “Vocês foram corretos, conseguiram porque agiram conforme o combinado. Agora podem dividir o lanche entre vocês?” - “É o que sempre fazemos”. Para finalizar meu irmão puxou seu único troco: “Toma seus cinco reais!”. Aí começou o zum zum. Cada um com opiniões muito diferentes. E eu fiquei parada, filosofando sobre o tema “O dar e o receber”. Senti tanta alegria de dar uma chance e aos meninos de realizar um desejo infantil! Foi mais gula, e não por questão de fome? Mas é tão bom esse tempo de criança.
Depois fiquei na dúvida. Penso em ser boa, e o garoto me põe como uma malvada. E a questão: porque não realizei aquele sonho tão próprio de criança, ganhar os chocolates de Páscoa.
No final de tudo, foi estranho observar o resultado. Aqueles que agiram correto - receberam na medida do seu pedido. Aquele que agrediu para conseguir, levou à metade do que poderia. E muitos ali acharam que ele não devia levar nada!
Parecia tudo terminado ali - do jeito certo, ou não.
A surpresa foi chegar em casa - e dali uns dias, ver no extrato, que houve um roubo naquele caixa eletrônico, que sacou a mais 300 reais em minha conta. Sem eu saber como.
Enquanto eu estava pensando em questões de “dar e receber”, vem o erro do caixa eletrônico furtando-me quantias.
Esse é o mundo de hoje. Acima das questões humanas - as máquinas estão agindo. Estão conspirando.
Elas estão convulsionando os parâmetros sociais.

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