Alberto Lima Abib Wermelinger Monnerat
Economista e escritor em entrevista exclusiva ao jornalista Reinaldo Wolff
Interesse aguçado, pesquisador tenaz. Assim temos nesta entrevista exclusiva, de maneira esclarecedora, o fato histórico da chegada dos suíços em Nova Friburgo, narrada pelo nosso entrevistado. Confira a seguir:
A: Meu nome é Alberto Lima Abib Wermelinger Monnerat.
R: O senhor tem origem de suíço e alemão?
A: Portuguesa, libanesa, suíça-alemã e suíço-romande - porque é o suíço de expressão francesa.
R: Sim! E eles falam Romanche lá?
A: É Suíço-romande, de expressão francesa.
R: Ah, entendi!
A: O suíço, o romanche, é a quarta língua oficial da Suíça que se fala exclusivamente no Cantão dos Grisões.
R: Como é a vida na Suíça, gostou? Sentiu-se bem lá onde os seus antepassados estiveram?
A: Muito bem! Neste aspecto eu herdei um pouco do modo de pensar dos suíços, a "cabeça" dos suíços, vamos dizer assim. Que gosta de ter tudo organizado, tudo funcionando. O meu modo de pensar funciona mais ou menos por aí.
R: Entendi.
A: Agora, a vida lá é muito cara para nós, pobres mortais do Brasil. Pois se a pessoa não tiver uma renda lá, fica complicado sobreviver. O salário mínimo de lá, o que nós podemos chamar de "salário-mínimo" é em torno de 4000 francos suíços. E assim mesmo, para quem vive lá hoje, com 4000 francos suíços, é muito difícil. Seria uns 12000 reais.
R: Aqui é um salário mais do que satisfatório. Acredito que está em torno de uns 14000 reais este valor em franco-suíço.
A: Concordo, aqui no Brasil seria muito.
R: O que o senhor achou mais curioso na Suíça? As peculiaridades, o que atraiu de mais fantástico na Suíça?
A: Ah, tudo! Acredito que tudo lá é interessante: a organização, o povo, que é muito receptivo. Principalmente em relação a nós de Nova Friburgo. Eles gostam de receber os brasileiros de Nova Friburgo. Gostam de ver que nós aqui temos os nomes que eles têm lá.
R: E onde o senhor gosta de ir lá?
A: Eu vou muito no Cantão de Fribourg e também no Cantão de Lucerna, onde eu tenho os meus ancestrais.
R: E o senhor faz parte da Associação Fribourg-Nova Friburgo?
A: Eu faço parte de várias entidades aqui, relacionados aos suíços. Dentre elas a Associação Fribourg-Nova Friburgo. E lá na Suíça, eu pertenço a duas entidades. Em que eu sou o único brasileiro na Société Fribourgeoise des Écrivains (Sociedade dos Escritores do Cantão de Fribourg) e na Société d'histoire du Canton de Fribourg (Sociedade de História do Cantão de Fribourg). Fui indicado em ambos os casos pelo próprio presidente da instituição. E da Sociedade dos Escritores por um amigo meu, que é um grande historiador suíço.
R: E aqui em Nova Friburgo, o senhor faz parte da Academia Friburguense de Letras.
A: Sou atualmente o vice-presidente.
R: Parabéns. Quem estiver interessado por "descendentes de suíços" quanto à sua ascendência, naturalmente, como faz para participar da Associação Fribourg-Nova Friburgo?
A: Ela não é uma entidade exclusiva dos descendentes - qualquer pessoa pode participar. Não há nenhuma exigência quanto a ser, ou não, descendente. Está aberta a todos.
R: Certo. Interessante, ainda existe o convênio na leva de brasileiros que foram à Suíça?
A: Esse convênio existe, não é exatamente com a Suíça. Porque a Suíça na verdade chega a ser quase uma ficção. São 26 estações, ou cantões, cada um tem a sua história, a sua tradição, suas leis. E que se submetem ao Governo Federal em relação a pouquíssimas leis, por exemplo, economia, na parte de aduanas. E o nosso convênio é especificamente com o Cantão de Fribourg. Porque a maior parte dos imigrantes que vieram, eu diria, cerca de 2/3, vieram do Cantão de Fribourg. Então houve uma iniciativa nossa (iniciativa de pessoas que hoje já faleceram) com escritor suíço, do Cantão de Fribourg que favoreceu se fazer esse convênio. Lá quando você transpõe o limite cantonal, vocês está em outro país. Por exemplo, outros cantões que participaram do movimento migratório - quando a Associação se dirige a eles - por algum motivo, as vezes pedir alguma coisa, ajuda. Como por exemplo, na catástrofe de 2011 aqui em Nova Friburgo. Muitos se esquivaram, dizendo "Não, isso não tem nada a ver conosco! Isso é de vocês, aqui é outro país!". É assim que eles se consideram. E a própria denominação oficial de cada cantão diz exatamente isto. República de Cantão de Fribourg, República do Cantão de Lucerna. E assim sucessivamente. Você está lá e transpões o limite do Cantão, está em outro país.
R: Existe essa tendência de separatismo em diversos lugares do mundo...
A: Lá não se trata de separatismo.
R: Sim, mas há uma tendência de orgulho regional, não é? Seria isso?
A: Na Suíça, não há separatismo, ou esses movimentos separatistas.
R: E não é um sectarismo isso?
A: De forma alguma! Existe o que eles consideram ser a diversificação, mas todos dentro de um conceito - a Suíça é indivisível, desde 1291, quando houve a Declaração do Pacto Perpétuo. Onde 3 Cantões Iniciais Primitivos, Uri, Schwyz, Unterwalden... E daí pra frente foram se agregando por questões históricas - as guerras europeias - o último Cantão a se juntar - já era território suíço, referente ao Cantão de Berna. Mas por questões de idioma, foi feito uma iniciativa popular, que é uma espécie de plebiscito, eles se tornaram em 1979 um Cantão independente, de expressão Romande, ou Francesa.
R: O senhor falou Unterwalden?
A: É um dos Cantões Primitivos que depois, por razões históricas, se separou também. Num acordo entre eles, se dividiram em Obwalden e Nidwalden. Aí temos que ver qual foi a razão histórica que deu origem a essa separação. Provavelmente vem da época da Reforma.
R: E o senhor tem isso no seu livro?
A: Sim, eu tenho isso tudo bem explicado nos meus livros.
R: É muito interessante. E já estão publicados?
A: Meus livros? Sim.
R: E qual a editora?
A: Eu sou editor independente. Eu não preciso de editoras. Eu busco apenas uma gráfica, tendo os recursos obviamente. Ou, um patrocinador.
R: E quem quiser adquirir um livro seu?
A: Aqui em Friburgo nós temos na Livraria Arabesco. E tem comigo!
R: Entra em contato com o senhor, não é?
A: Seria bem interessante.
R: Que motivos o senhor tem de alegrias de ter estado na Suíça, ou há um sentimento de tristeza pela inobservação quanto à calamidade que houve aqui em Friburgo?
A: Ah, eles deram atenção. Principalmente o Cantão de Friburgo. A Loterie Romande é uma loteria que atua nos Cantões de língua francesa. Fribourg, Neuchâtel, Cantão de Geneve e o próprio Cantão de Lucerna, que contribuiu com um número expressivo de colonos - deu também a sua ajuda financeira.
R: É algo muito forte a questão genética. Tem pessoas que acham que não é nada. Mas acredito sim que as características físicas, não somente isso, e sim a própria aptidão para determinadas áreas de atividades são decorrentes de influência genética.
A: É, concordo.
R: E nós somos descendentes de suíços. Temos descendência da família Hecht. Há certas características, um exemplo, o clima que melhor lhe apraz. E com aptidão física, para a pessoa viver em clima de montanha, frio. Atitude de viver, como apreciar muitas vezes, momentos de isolamento para reflexão.
A: A índole é uma das heranças genéticas. Aqui no caso, da nossa imigração, infelizmente nós perdemos todas essas características. Porque houve a primeira crise dois anos depois que eles chegaram. E a maioria deles, quem pode sair, foi em busca de novas terras, novas oportunidades. Ao Vale do Parnaíba, foram até o Espírito Santo e Minas Gerais.
R: Alguns foram para o Sul?
A: O êxodo interno, ao que se sabe, foi localizado de Nova Friburgo para as vizinhanças. E alguns foram para o Rio de Janeiro fazer parte daquela guarnição militar que Dom Pedro I criou de estrangeiros da corte.
R: Os suíços, nossos antepassados, vieram para cá através de um tratado internacional, ou foi apenas de vínculo particular?
A: Bem, havia problemas aqui e lá. O suíço por excelência, sempre emigrou. É o caso específico de emigração temporária. Como para a guarda suíça do Vaticano. Milhares de jovens participaram dessa guarda suíça papal. Outra forma era a dos próprios mercenários suíços que se alugavam a Potentados estrangeiros. Reis, duques etc., e em função do processo político da Europa, durante séculos, até a atual configuração política. E nas emigrações definitivas, que foi o nosso caso, foi pós-guerras napoleônicas. A Europa estava devastada.
R: A convite do Império?
A: Não foi exatamente convite. Houve um "tratado". Veio um intermediário nomeado pelo Cantão de Fribourg, para tratar da questão de um grupo de famílias que pudessem vir para cá. Dom João tinha acabado de chegar no Rio de Janeiro. E o Rio ainda não era nada. Ele queria remodelar a cidade para acolher a corte.
R: Certo.
A: Então ele queria suíços. Inicialmente suíços romandes. E no final o acordo, que depois eu vou explicar que não foi bem um acordo, ele recebeu, acabou aceitando a inclusão de suíços da parte alemã.
R: Certo.
A: Esse intermediário da imigração era um comerciante, quis tirar proveito da situação. A causa da grande mortandade no transcorrer do movimento migratório se deve a ele! Assim, ele tem o crédito de ter ajudado a promover a imigração em si. Como também tem a seu débito, todas as mortes ocorridas. Desde a saída das vilas suíças, até a chegada em Nova Friburgo. Por absoluta falta de organização do movimento migratório.
R: Bom, o Governo tem responsabilidade direta sobre esses suíços.
A: Qual Governo?
R: O Governo brasileiro. E o da Suíça também.
A: Sim, também. o Governo suíço nem tanto. Porque o chamado tratado não foi na verdade um tratado. O intermediário apresentou um plano ao governo imperial brasileiro, que depois foi aceito com reservas. Tanto que a previsão inicial era de 100 famílias e vieram quase que 300.
R: É uma honra conversar com alguém que tem um conhecimento tão ilustre de todos os nossos antepassados.
A: Obrigado.
R: Isso nos faz ver, e algumas pessoas não percebem, que aqui se trata também de direitos de origem. Direitos adquiridos pela origem. É o que eu vejo nessa questão: poderia ser questionado entre os governos esse direito, uma vez que foi de alguma forma um tratado, o direito à nacionalidade suíça?
A: Quem assinou e quem fez a proposta foi um suíço qualquer. Que veio negociar. O Governo brasileiro sim. Como esse "tratado" foi aceito, foi considerado documento oficial no momento em que Dom João VI assinou.
R: Compreendi.
A: Mas não foi um tratado. O Sebastião Gachet apresentou o projeto e tinha objetivos de ganhos financeiros também. E uma boa parte dos itens de ele pretendia, foi cortada do acordo. Porque o governo imperial queria alguns suíços, especialmente suíços, e alguns tipos de suíços profissionais liberais. Artistas, construtores e até soldados. Um dos objetivos aqui era ter soldados para uma possível independência do Brasil, o que aconteceu logo depois. Já com Dom Pedro I no trono.
R: O conceito do francês que é usado em terminologia jurídica "laissez faire laissez passer", que significa "deixai fazer, deixai passar". Isso em termos brasileiros é o conceito de que "a omissão não isenta da responsabilidade".
A: Sim.
R: Vejo assim, o governo suíço teve a responsabilidade.
A: É, tem muita gente que evoca essa possibilidade. Eu, pessoalmente, jamais entraria com uma petição de cidadania suíça invocando um argumento desse tipo. Pois penso que seria um péssimo começo.
R: Mas eu acredito que a questão é "quem cala, consente".
A: Sim.
R: Se eles calaram diante dessa situação...
A: Muita gente defende essa tese.
R: Existe nos termos jurídicos que eu estudei na faculdade de Direito, o seguinte (com todo respeito, com toda humildade, não estou sendo arrogante, o entrevistado é o senhor), existe o conceito no pensamento jurídico brasileiro, de que a responsabilidade civil não é só da pessoa, é também do Estado.
A: Os Estados.
R: Os dois Estados, o Brasil e a Suíça, não é só as pessoas que são responsáveis, mas os seus Estados Pátrios. Então aí abrange o aspecto em que, na minha opinião, "não há perda de vínculo". Eu penso que aqui entra a questão: Isso não geraria o direito a nacionalidade suíça?
A: É possível. Agora tem que se levar em conta o seguinte, o Estado suíço é completamente diferente dos outros.
R: Certo.
A: A configuração política dos estados suíços é outra. Mas não houve ninguém da Dieta federal (Dieta da Confederação Suíça) que servia digamos assim, como um juiz para os problemas dos Cantões. Pois ninguém do Governo Federal Suíço assinou coisa alguma. Quando o Sebastião Gachet, o intermediário da imigração, veio para o Brasil negociar, veio em nome do Cantão de Fribourg. Com o apoio, aí não sei se é oficial, de alguns outros Cantões que tinham interesse em se livrar de uma parcela da população, porque os cantões não tinham como alimentar as pessoas. Foi a grande crise de 1816 e 1817. Crise financeira, climática, que lançou a Confederação Helvética, em que as pessoas na rua procuravam insetos para se alimentar.
R: Impressionante!
A: E o que foi a gota d'água para contribuir com a crise financeira? Um vulcão na Indonésia explodiu, lançou toneladas de lavas na atmosfera terrestre, deixou todo o hemisfério norte sem Sol por 6 meses! No miolo dessa crise estava a Suíça e os vizinhos que já vinham sofrendo em consequência das guerras napoleônicas.
R: Que mensagem o senhor dá aos nossos leitores para que haja vínculos com a Suíça? Que mensagem para as pessoas, de futuro?
A: Esses vínculos nós criamos. Porque como nós sabemos, o êxodo interno que houve aqui, a maioria dos colonos se isolaram no interior do estado, em Minas, no Espírito Santo. Como se isolaram completamente, nós perdemos tudo, idioma, tradição. Então o que aconteceu depois? Houve o lançamento de alguns livros sobre o assunto. Eu cito "Terra! Terra!" que você deve conhecer, feito por dois suíços. Um deles ouviu a história de seus avós, nas conversas ao pé do fogo. Ele conheceu as pessoas, ou seus avós conheceram as pessoas. O que eu quero passar? Essa maneira que nós fazemos, é uma maneira de reativar esses vínculos.
R: Preservar a cultura.
A: E como? Fazendo contatos culturais em que nós provocamos neles o sentimento de que nós também temos sangue suíço. Uma boa parte dos suíços têm essa consciência. Assim também como uma parte não têm. Exatamente assim é no Brasil. Em cada família de suíços brasileiros, nós somos uns 5% de pessoas interessadas em levantar a história sobre tudo que se relaciona com o movimento migratório de 1819. A mensagem que eu deixo é esta. É sempre válido procurar contato. Procurar seus parentes... São longínquos, pois se passaram 200 anos. Eu sou a quarta geração. Na minha família temos crianças que devem estar na sétima geração. Eu tenho neto. Tem gente que está viva e tem bisneto. Esses bisnetos talvez estejam na oitava geração. Então muitos de nós tem esse interesse, a maioria não tem o menor interesse na sua própria árvore genealógica para saber porque estão aqui. Eu tenho uma página no Facebook chamada "Legado Suíço", sobre a história suíça, a cultura suíça e minhas experiências na suíça. Fiz quase 80 publicações.
R: É sempre muito interessante falar com pessoas que tem um conhecimento. Eu tenho uma maneira muito pessoal de achar um aspecto sobre o ser humano. O ser humano por mais que tenha conhecimento, eu acredito que a sabedoria é um dom divino. Tanto é que os reis oravam pedindo sabedoria. Mas noto que o conhecimento extraordinário é necessário ser partilhado. Porque é um legado, é um privilégio, e uma honra ter o direito de ter esse conhecimento partilhado.
A: Inclusive a minha página se chama "Legado". Procuro passar informações de todas as famílias. Sobre história suíça e como a nossa imigração se insere lá na história da própria Suíça.
R: Agradeço muito a sua entrevista. A Equipe Wolff está honrada!
A: Eu é que agradeço.
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