Herman Hesse – O tema é a busca da verdade
Somos “todos iguais” ou, na realidade, é: “Viva a diferença!”?
Ar fresco da grama molhada me diz: É bem cedo ainda. Um dia radioso de sol começa a despertar depois de longa temporada de chuva. A mulher vem devagar, subindo a rua íngreme. Sua mão segura firma uma mãozinha indolente. Eu estou saindo para a caminhada. De bem com a vida, sorrindo, cumprimento os dois com um “bom dia”.
O menino abaixa a cabeça e o sol faz luzir lágrimas nas bochechas inocentes. Eu me abaixo, deslizo o dedo naquele trajeto de lágrimas, como um afago, e digo ao ouvido dele: “Porque você está tristinho?”. A avó, rápida, revela: “Não tem o leite. E ele quer o Nescau. Não tem Nescau”. Aí eu lhe conto um segredo “Quando eu voltar você vai ganhar o seu chocolate”. O trajeto nos faz soltar o pensamento em mil assuntos, planejamentos, troca de ideias, e o meu grupo de caminhada demora-se um pouco além do normal – afinal é domingo... Com isso eu quase esqueci meu compromisso e na volta vislumbro, ao longe, não uma, mas três figurinhas sentadas na calçada. “Bem – pensei – vamos cumprir com o prometido”. E lembrei logo da velha Dita, que me criou – ela sempre comentava: “Nunca prometa algo para uma criança, pois vai ter que cumprir mesmo! Criança recebe a promessa como se fosse uma lei!”. Entrei correndo na cozinha e bati um leite com mel e chocolate. Levei numa vasilha de vidro bem bonita, pois, o alimento tem que ter também o aspecto visual, e os biscoitos que trouxemos de Holambra.
Comparo com o passeio em Friburgo. Tem uma loja que encanta aos jovens. Um dos nossos queridos jovens lá de casa, nos puxa para dentro. É onde as camisetas de grupos de rock se reúnem. Olho para as prateleiras lotadas até quase o teto e digo “Parece que são milhares de camisetas pretas”. Porque o jovem gosta tanto de camiseta preta com caveiras? Lá no alto, ao fundo, tem um guarda-chuva aberto. Curiosa, pergunto: “Aquelas ‘coisinhas brancas’ serão também caveiras?”. O dono da loja sorri, um Friburguense amável, falando e nos conta “Meu amigo lojista ali da esquina já me disse que o Diabo vende! Então vamos vender o Diabo”.
Uma sensação de vazio e escuridão. Cruz credo, me benzo, arrepiada de susto, e vou tentando sair. Mas o jovem nos puxa para ver o blusão da sua banda predileta.
Uma sensação de vazio e escuridão. Cruz credo, me benzo, arrepiada de susto, e vou tentando sair. Mas o jovem nos puxa para ver o blusão da sua banda predileta.
A roupa é bem feita, não está cara. E, aliviada, percebo que não tem caveiras ali... Só que as letras são em vermelho, e de repente noto o detalhe: parece que elas respingam.
O lojista se empolga no tema: “Isso tudo é apenas marketing, para vender o ‘rock pesado’, como um marketing... No fundo o que eles querem dizer é que ‘somos iguais, sim!’. No final o que fica... é tudo igual”. Ele puxa uma camiseta preta, levanta bem o cabide com a peça e posso ver as caveiras cada uma com um adorno em cima. Penacho de índio, crista de cabelo espichado, etc., e embaixo a frase do tipo: Seja qual for sua tribo, no final você vai acabar igual... O homem é gordo, em seu peito, caveiras adornam como sombras esfumaçadas de cinza e preto.
Começa a se criar um argumento quando escuto a frase: “O crânio da mulher tem uma diferença, tem ossos mais alongados”. Saio rápido de lá. Não quero discutir. Quero me divertir e passear. Mas a confusão se instalou: serão os jovens roqueiros hoje os Samanas da Índia Antiga? Samanas são ascetas peregrinos que se despojam de tudo. Mortificam os sentidos para deixar o espírito vazio com o intuito de encontrar o verdadeiro “eu”.
Leio Herman Hesse, no momento. Escritor alemão, em 1946 ganhou o prêmio Nobel. Li o seu livro “Sidarta” quando era adolescente. Gostei, mas não entendi bem aqueles termos tipo “upanishades”, “átman”, “bramane” – era um tema e um vocabulário totalmente desconhecido para mim naquela época.
No caixa das Lojas Americanas, promoção de R$5 o livro de bolso, trago feliz aquela surpresa – ler Herman Hesse de novo! Só que agora saboreio cada página, fazendo par com a proposta de profunda busca da verdade que o personagem Sidarta empreende. Um trecho do livro:
“Andei deveras surdo e insensível!”, disse de si para si, enquanto avançava rapidamente pela estrada! Quem se puser a decifrar um manuscrito, cujo significado lhe interessar, tampouco menosprezará os sinais e letras, qualificando-os de ilusão, de casualidade. De invólucro vil, senão os lerá, e irá estudá-los, amá-los, letra por letra. Eu, porém, que almejo ler o livro do mundo, e o livro de minha própria essência, desprezei os sinais e as letras em prol de um significado que lhes atribuía de antemão. Chamei de ilusão, o mundo dos fenômenos. Considerei meus olhos e minha língua apenas aparente”.
A verdade é a luz.
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