O exemplo e a tradição de ser avô - por Arno Wolff - parte 3


Era uma esquina movimentada em frente à estação de estrada de ferro por onde escoava quase todo o arroz produzido no município. A região ficava às margens do Rio Jacuí, um rio navegável com muitas embarcações à gasolina e à diesel, que também escoavam o arroz produzido no local, para Porto Alegre. As estradas rodoviárias eram precárias e de terra batida acascalhadas para dar trânsito em dias de chuva. Os caminhões naquela ocasião, 1935, eram poucos e o movimento de carga ou era feito por trem ou fluvial. O arroz vinha em carro de boi, carroças ou caminhões até a estação ferroviária. Ali em frente de casa era o terminal ferroviário com o depósito onde ficava armazenado o arroz com casca que seria descascado.
O comércio do meu pai era estranho: restaurante, bar, bazar, armarinho, presentes, isqueiros, facas, tesouras, aparelhos de som, gaita, piano, sanfonas, violões e cavaquinhos. O meu pai colocou grampos no teto (4 metros de altura) em volta do salão de entrada ficavam 100 a 200 violões pendurados. Havia também pandeiros, tambores, tamborins, gaita de boca de marcas famosas, Sonhadora, Sedutora, muito sonoras e versáteis. Os balcões eram de madeira todos envidraçados. Vidros na frente e por cima, que podiam ser abertos para cima para serem retirados os instrumentos, lápis, cadernos, borrachas, canivetes de todo tipo. Canivetes grandes para cortar fumo de rolo, para serem feitos cigarros de palha. Tudo isso era vendido ali. Haviam várias geladeiras de 6 e 8 portas, com bebidas, no fundo da parede. Na geladeira eram guardadas as cervejas, os refrigerantes e a cachaça. Cachacinha vendida em copos, meio copo ou liso inteiro. Eram copos cheios de cachaça. Aqueles estivadores, pretos pobres, o combustível para terem forças para terem força para carregarem os sacos de 60 quilos de arroz eram aqueles copos lisos cheios de cachaça. Assim vinham apressados tomavam aqueles lisos – meio copo, 200 réis, copo cheio 300 réis – quando não tinham dinheiro pediam fiado ou pediam de graça “Hoje estou liso, sr. Carlinhos, me dê um liso cheio de cachaça. Meu pai muito bondoso e caridoso nunca negava. Meu pai se apiedava de ver aqueles homens tão fortes, tão trabalhadores, e às vezes famintos. Quando alguém lhe pedia um copo de cachaça ou um prato feito, levava gratuitamente “Mas sob uma condição: beba, coma, mas não me arrume encrenca aí. Me deixe trabalhar em paz, sem confusão” Aqueles estivadores adoravam meu pai. Minha mãe, Dona Irma, fazia o mesmo que meu pai. E eu como filho que desde 5 já trabalhava no comércio, seguia a tradição. Num belo dia meu pai foi a Porto Alegre tratar de negócios e levou mamãe junto. Fiquei eu, como comerciante chefe. Tinha 6 anos e minha irmã de criação Venina Fernandes, com 18 anos, que chamávamos de Vina. Vina fazia o almoço, cuidava da cozinha, comandava as cozinheiras, servia a comida e servia no salão do restaurante que ficava atrás do bar. Eram 10 mesas para 4 pessoas. Então podiam almoçar simultaneamente umas 40 pessoas. Sempre o restaurante estava lotado, haviam pessoas em pé, esperando ver vagas nas mesas para se sentarem e serem servidas no almoço. O movimento principal ia das 11:00 hs da manhã até as 14:30 hs. Era corrido. Na cozinha havia panelões muito grandes. Eu ficava no bar e no caixa. Meu pai que não podia ter muitos empregados, só as senhoras que ajudavam na cozinha e a lavadeira para lavar as toalhas das mesas. Papai confiou em mim com 6 anos “Tu tomarás conta do negócio, você é esperto e trabalhador, confio em ti. A noite feche bem a casa com as trancas de ferro, faz o caixa e guarda o dinheiro no cofre”. E me ensinou o segredo de abrir e fechar o cofre. “Meu filho te cuida, trabalha bastante que na volta te trarei uns chocolates do Neuguebauer e umas maçãs”. Bem ia tudo muito bem, 2 dias se passaram, eu muito feliz dando conta do recado. No 3º dia veio um estivador me pediu um liso e eu dei e não cobrei, porque ele estava sem dinheiro. Logo depois chegou um bêbado muito alto e forte e pediu o diabo da cachaça. E como notara que já estava bêbado, disse que tinha acabado, só tinha café preto, isto eu poderia servi-lo. “Mas eu vi agorinha, há pouco você servir o sr. Maurílio com um copo de cachaça. Se você não me der a cachaça vou quebrar os vidros do balcão”. O gaúcho sempre foi um cabra macho. E todo gaúcho que se preza sempre trazia na cintura uma adaga, é um facão com bainha de couro na cintura, preso no cinto e enfiado no lado de fora da calça. Quando o ferroviário Maurílio escutou aquilo não teve dúvidas “O sr. é abusado, covarde como uma criança. Você ameaça uma criança de 6 anos e vai levar já a tua lição” pulei para frente do balcão quando o seu Maurílio puxou a sua adaga, seu facão desembainhado, levantando para o alto até a altura da cabeça e já ia abaixar para cortar ao meio o bêbado atrevido. Foi tudo muito rápido, quando homem caiu de joelhos, atirou-se no chão e implorou que não o matasse.
Tive tempo de erguer minhas mãos e segurar os braços do sr. Maurílio que estava com o facão e implorei: “Pelo amor de Deus, não mate este homem. Neste ínterim, ele que estava ao lado da porta fugiu como um raio acovardado. Assim salvei aquele homem de um assassinato e agradeci aquele homem e agradeci ao ferroviário a proteção.
Quando o sr. Maurílio confessou seu amor aos meus pais: “O sr. Carlinhos e Dona Irma são gente muito gente boa e seus filhos são muito queridos. Eu não deixaria ninguém fazer nenhum mal aos seus familiares. Daí a conversa ficou amena e todos ali assistindo elogiaram a atitude do ferroviário e estivador.
E nossa amizade com aqueles senhores trabalhadores era sempre cada vez mais forte.


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