Texto de Roteiro para Cinema e TV - A Cadeira Vazia - autoria de Ana Maria Wolff
O diretor da Globo, Walter Avancini, escreveu 3 palavras na lousa: cadeira. policiais, vazio. E disse para sua "platéia" de Workshop Roteirismo de Cinema e TV: "Escrevam agora uma cena dramática forte com estas 3 ideias. Qualquer tema". Uma onda de apreensão percorreu aquela sala lotada junto com um súbito vento forte. Após uma hora, todos tiveram que sair às pressas devido a uma chuva torrencial. Pois isto em São Paulo significa uma inundação em todas as ruas daquele bairro.
Mas foi o tempo exato para Ana Maria já entregar seu texto nas mãos do professor de português, o assessor do diretor.
O calor, a sala apinhada, chuva com vento, deu como consequência forte gripe. E na aula seguinte, quem estava lá era eu para justamente presenciar a surpresa - reunidos na linda galeria de quadros da Av. Estados Unidos, cheguei com o professor já lendo o texto e dizendo: "É um master piece este roteiro de Ana Maria Wolff".
E que agora apresento para você, leitor do projeto Equipe Wolff, apreciar:
A cadeira vazia
Como um ser perdido no tempo de mim mesma, deixei
que a tarde pousasse suave. Vindo devagar como uma ressonância. E fui de
delírio em delírio, passando minhas emoções em sucessiva apoteose.
Primeiro o gargalhar sonoro, como quando estávamos
felizes. Eu cheia de paixão na glória do amor conquistado, abrindo-me em
clarões de uma tarde, ardendo no horizonte, fui de prazer em prazer levando ao
êxtase aquele amor impossível.
Depois, teimando, fui sentindo você distante. Fiz o
que pude. Dei volta em meu corpo roçando em sua pele áspera, fui provocando em
você a ternura de um desejo melhor para se cumprir, ainda não satisfeito. Você
em angústia. Eu tensa. Lutando por mim. Por você. Não queria dizer: é o fim.
Mas exausta não tinha mais de onde tirar, o que fazer, como permanecer... para
você... em você. E traiçoeiramente aquele sentimento foi dando lugar a invasão
da dor. Da minha impotência. Impotência feminina? Sim. Aquela que você
despertou, quando tentando tudo: não o tive. A semente de sua alma, nem no
grito lacinante, nem na busca, nem na resposta. Aquele não atingir... o que
você diria? Mulher fria? Não, mil vezes não! Mulher sem solução? Eu me matara.
Suicidara meu sexo. Não pude fazer você nascer para a beleza do meu novo dia.
Não pude criar a esperança de um destino tecido de um futuro mais que perfeito.
Olhei para cadeira vazia. Nem seu perispírito dava-me a ilusão do seu perfume
volátil. A ausência, a náusea que o vazio cria. Deixando minha alma em fogo.
Vertendo em dor. Rebuscando no estomago um saldo de vida ou prazer. Só a aragem
da tarde contava-me: ele se foi. Está mais morto que eu posso conceber. E no
entanto eu o matei. Matei dentro de mim. Sua imagem. Sua cadência. Seu ritmo. É
como um oceano perdido. Fiquei à espera. Espera de que? Policiais? Não. Fiquei
apenas à espera... de ver acordar em mim um sentimento. Talvez ele possa
preencher o vazio da cadeira vazia.
Comentários
Postar um comentário