Taxista Psicólogo

Sou estudante de psicologia.
MW: Você já era taxista quando começou a faculdade?
Já... Sou formado em Programação de Sistemas. Fui programador durante 9 anos, larguei porque tinha muito estresse, aí vim trabalhar com táxi e faço faculdade de Psicologia.
MW: Mas que história interessante... Mas o trânsito não te estressa?
A mim, não.
MW: Ah, é? Que engraçado. Porque você vai conversando?
Não, não é porque eu vou conversando. O trânsito é o seguinte – eu que determino quanto tempo eu dirijo. Como diz assim “Quando eu saio de casa, eu sei que vou passar por ele”. Tenho ele o dia inteiro... Então... É uma coisa que já é prevista.
MW: E essa parte de análise de sistemas, você abandonou completamente?
Abandonei completamente.
MW: Dispensou mesmo “tudo que é máquina”? 
Ah, eu tenho uma proposta de trabalho de ganhar R$400,00 por dia, mas eu prefiro trabalhar aqui no táxi!
MW: Você prefere a sua saúde mental?
Eu até já falei para ele “Se você quiser eu posso vir só uma vez por semana”. Aí ele disse “Ah, Renato, por mim tá fechado”. E vou começar mais ou menos em janeiro.
MW: É para você fazer o que na informática?
Tem um conceito de informática chamado DBI. É o Business Intelligence. O que é isto? Imagine o seguinte – uma loja de departamentos tipo a C&A. Então no banco de dados estão todos os produtos cadastrados da C&A. E dentro deste programa eu tenho várias visões – “Ah, eu quero ver a visão do vestuário feminino”.
MW:E você faz essa programação?
Sim.
MW: Nossa, é altamente especializado!
Aí traz todas as informações do “vestuário feminino”, quanto vendeu, quanto não vendeu, comparativo de vendas do vestuário feminino desse mês com o mês passado...
MW: Mas que momento levou você a pensar em mudar assim e sair? Porque você não pensou em mudar, você pensou em sair, não é?
Eu pensei em me livrar!
MW: Sim, e o que aconteceu? Foi o próprio trabalho ou pressão?
Chega um momento no dia a dia no seu trabalho, que a empresa... 60% daquela empresa dependia de mim! O que eu faço, o que eu não faço, se eu estiver passando mal fica todo mundo me ligando...
MW: Ah, você quis se livrar disso tudo!
Então, chega um momento... o que aconteceu? Aquilo tudo me incomodando... eu com um projeto para fazer... fiz praticamente sozinho, era um equipe mas fiz praticamente sozinho e sempre com a aprovação do cliente. Qualquer alteração que eu fazia, mandava email para o cliente – e o cliente aprovava. Eu ia fazer as modificações e executava tudo de novo. No dia que entregamos o projeto, o cliente pensava que era uma coisa e na verdade era outra!
MW: Ele não quis pagar?
Ele pagou... mas quis as alterações.
MW: Ele queria que mudasse tudo?
Ele queria que mudasse muitas partes. Eu falei – “eu precisaria de mais tempo”. Minha chefe me disse “Você vai fazer”... E eu falei “Tá bom!”. Aí comecei a trabalhar 6 horas da tarde de um dia, parei às 4hrs da tarde do dia seguinte... direto! Sem dormir! A noite toda na empresa e sem dormir. Acabei de fazer, entrei para a reunião às 6hrs. Em 24 horas terminei tudo que tinha que terminar.
MW: Já pensou que gênio que ele é em informática?!
E aí, no meio da reunião, eu com a carteira de trabalho no bolso, o cliente disse “Agora está exatamente como eu queria!”. Aí peguei minha carteira de trabalho e joguei em cima da mesa e falei para minha chefe “Agora pode me mandar embora!”.
MW: O quê? Você disse para te mandar embora? Aí nessa hora que você decidiu? Não... se já estava com a carteira...
Decidi na madrugada que eu fiquei trabalhando.
MW: Ah! Mas você teve muita ética, fez todo o trabalho e deixou pronto. Nossa que história incrível!
Eu trabalhei mais uma semana, fiz a documentação toda do sistema. “Está aqui, tudo arrumado, tudo bonitinho, porque estou indo embora!”. Até hoje minha chefe me chama para voltar... já quis me pagar 60% a mais do que eu ganhava antes – e eu não quis.
MW: E você já tinha decidido que ia pegar o teu carro e fazer dele um táxi? E está dando lucro se for comparar uma coisa com a outra?
Eu ganhava, na época, 6 mil reais – líquido uns R$4.900. Hoje eu ganho 7, 8 mil.
MW: Ah, é? Fez vantagem?
Mas trabalhando mais! Só que se for colocar numa escala... eu saía de casa às 6 horas da manhã e voltada às 10 horas da noite. A mesma coisa que eu faço hoje, só que o estresse é físico, e não mental.
RW: O estresse físico de dirigir e ter risco de assalto não é muito grande?
Eu estava andando na Rio Branco, e fui assaltado...
MW: Caminhando?
Exatamente.
MW: Desculpe a minha curiosidade, mas em que momento você resolveu ser psicólogo?
Aí vou contar o que aconteceu. Aos 17 anos fiz um teste de aptidão – deu Psicologia. Fiz outro uma semana depois que saí da empresa. Pensei “Não vou morrer taxista...” Deu Psicologia de novo! E eu tenho uma cliente que é cardiologista. Ela não sabia de nada, mas me disse “Renato, vou te falar uma coisa... impressionante como todas as vezes que eu venho no seu carro, eu saio bem, como você usa as palavras! Em momento nenhum você interfere nas decisões que eu vou tomar mas ao mesmo tempo você me dá o apoio para qualquer decisão que tome! Isto é o fundamento da Psicologia. É uma coisa que que você tem com você, sem nunca antes ter estudado isso”.
MW: Eu fico aqui pensando... O seu raciocínio lógico mais essa vivência em táxi, vai ser um psicólogo bem especial mesmo! Estou aqui imaginando que você vai pôr uma frota de táxi com psicólogos.
Tem cliente que me liga de madrugada – “Pô, Renato, não tô legal! Você me leva para tal lugar? Se eu beber um pouquinho mais, você vem me buscar”.
MW: Ah, entendi. No primeiro momento, pensei que já estava dando aconselhamentos.

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