Darci da Silva Oliveira
Tabeliã do 8º Cartório Distribuidor - RJ em entrevista exclusiva à Equipe Wolff
Reinaldo Wolff: Primeiramente é um prazer estar em sua companhia. Nos conte, como é a motivação para lidar com documentos? Como consegue renovar a motivação sempre?
Darci Oliveira: É entediante...
RW: E o que faz para quebrar a rotina?
Darci Oliveira: Nosso trabalho é distribuição de títulos e documentos. Então é mais um informativo por que as pessoas registram seus documentos particulares e aqui somos o Distribuidor dos Títulos e Documentos. São 6 Cartórios aqui no Rio de Janeiro. Se o senhor precisa encontrar um documento que foi registrado há anos... atas de condomínio, por exemplo. Identidades que a pessoa às vezes registra, os documentos de testamentos particulares. Muita "posse", é tudo registrado em títulos e documentos. Então eles mandam todos os dias esta relação total para nós e joga-se toda na mídia e faz-se praticamente o índice-geral do Rio de Janeiro. E quando o senhor precisar saber onde foi feito o seu documento, ao invés de ir em cada cartório para saber se está lá ou não, aqui se fornece uma certidão onde consta o número do protocolo, a data, e qual o cartório que foi feito. Leva lá e eles tem toda a documentação arquivada.
RW: E quando é enviado dos Cartórios para o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, lá também tem os documentos antigos...
Darci Oliveira: Sim...
RW: A partir de quanto tempo?
Darci Oliveira: Aqui no "Oitavo" temos a documentação, o índice desde 1957 - daí para frente temos os livros, que vai encontrar onde é que fez o registro? Os documentos antigos que foram registrados em Cartório de Registro. E a partir da data anterior está no Registro Geral dos Documentos.
RW: Se as pessoas conhecessem melhor os seus direitos, direitos de família, todos teriam melhor padrão de vida, concorda?
Darci Oliveira: Conhecimento hoje é tudo!
RW: Às vezes a pessoa tem um direito, e não sabe que tem. Como o caso por exemplo que nós conhecemos da Fazenda da Grama, era de um funcionário de Cartório! Um dia chegou uma senhora que perguntou a ele - "Mas você tem este sobrenome? Não é parente de..." - Ele: "Sim, era meu avô!", ela: "Você não sabia que você é herdeiro?". Aí ele descobriu que tinha terras, propriedades.
Darci Oliveira: Pois é, aparece muita gente querendo ver documentos desde os anos 30. Principalmente quando se refere a uma pessoa que morre bem velhinha. Vêm aqui para buscar para saber o que a pessoa tinha de bens. Os antigos não eram de falar muito o que é que tinham de propriedade. Às vezes a família nem sabia! A própria esposa às vezes nem tomava conhecimento do que ele tinha de patrimônio.
RW: E o que alguém pode fazer para descobrir isso?
Darci Oliveira: Aqui pode-se uma certidão, o funcionário vai pegar os livros, aqueles bem antigos. Isto se a pessoa registrou. Porque também não era muito comum as pessoas registrarem os bens. É uma busca que se faz para encontrar o nome, a propriedade. É estrangeiro que vem e registra o seu passaporte, identidade, tudo o mais!
RW: O que faz uma pessoa ter excludente de direito de herança? Só para casos de grave ofensa moral, atentado contra a vida - ou existe uma brecha na lei ao designatário para que não designe a herança para a pessoa - existe isso?
Darci Oliveira: É um pouco difícil. de direito o pai tem que ter: 50% que é de direito para todos os filhos, os outros 50% ele pode doar para quem ele quiser, porque é a parte dele. Fazer o que quiser - vender, doar. Antigamente tinha isso na lei- quando o filho tenta matar o pai, sai do limite mesmo, é ofensivo, então ele pode ser deserdado. Hoje é um pouquinho mais difícil, aí tem que entrar na justiça e ver... Hoje a lei muda sempre.
RW: Nós temos duas tias que morreram e não eram casadas e não tiveram filhos. Uma era professora de Belas Artes e refez obras de Portinari. E na verdade não veio para nós nada.
Darci Oliveira: Você seria o sobrinho delas?
RW: O meu pai era sobrinho.
Martha Wolff: Mas passaram-se tantos anos, penso que mais de dez anos - temos ainda o direito de reivindicar?
Darci Oliveira: Tem! O seu advogado vai ter que entrar na Justiça e pedir para rever o inventário, para você provar que você tem alguma coisa que não foi distribuído. E quando a pessoa deixou um testamento? O obrigatório seria - para os filhos, se não tiver filhos, vai para o pai e a mãe, se não tiver mais, vai então para os irmãos e depois os sobrinhos. E depois, se não tiver retoma o direito aos primos.
RW: E se a pessoa já estava com enfermidade, isto pode provar a ausência de licitude do documento de testamento? Ou precisaria um médico ter estado presente ao fazer aquele testamento, para provar a lucidez. Porque elas já estavam bem doentes, acredito que nem mais estivessem lúcidas. Uma morreu com 102 anos.
Darci Oliveira: Neste caso antes teria de ter sido interditada, e ter que nomear um procurador, não é? Mas... se ela não foi interditada, não tinha nenhum testamento – porque quando há o testamento e você questiona, pode protestar que ela não esteja com as faculdades mentais para atestar aquilo que pôs no testamento... Mas quando não tem testamento, como é que vai saber hoje, se ela estava com as faculdades mentais lúcidas? Só se fosse na época.
RW: Mesmo assim eles não poderiam excluir nenhum dos sobrinhos! Todos teriam direito, não é?
Darci Oliveira: Sim, se ela não deixou nenhum testamento! A divisão é geral.
RW: Isso é interessante, é tipo de caso que todos gostariam de saber, nossos leitores. E as pessoas precisam de elucidação, pois acredito que todos teriam um meio de vida muito melhor se soubessem bem sobre os seus direitos hereditários, direito de família, direitos de sobrenome.
Darci Oliveira: É, cada um deveria procurar saber seus direitos. Ninguém pode ignorar a própria lei. Têm que ter conhecimento dela - mas em geral as pessoas não têm essa conscientização!
RW: Estive num congresso do Cepadi, de Direito Internacional de Responsabilidade Civil - e veio um desembargador de SP, em que a tese chegou ao seguinte ponto: a lei tem o fito de proteger o cidadão, até mesmo de sua própria ignorância! Então pode-se dizer que seria o "contrapeso" dessa obrigatoriedade de conhecer a lei.
Darci Oliveira: Mas aí, acredito eu, que o conhecimento vem através do advogado. Ele teria a obrigação de saber e elucidar.
RW: E o que falta para o advogado atual se sentir mais valorizado, na sua opinião? Os tramites legais teriam que ter menor custo no Estado do Rio de Janeiro, ou a senhora acredita que está bem na maneira que está?
Darci Oliveira: Isso é tão complexo - é uma estrutura formada por lei. Cada Estado tem um preço, é uma tabela, independente, diferente.
RW: Como manter, ao longo da carreira, a sua motivação inicial? Comparo, com o devido respeito, ao apetite. Inicie com fome, da metade em diante não tem mais aquele apetite. Como é que se faz para manter essa motivação, na sua opinião?
Darci Oliveira: Eu trabalho em cartório desde 1964. O titular era o meu marido. Ele veio do interior, veio para Niterói, e conhecia muito sobre documentos, sobre cartório, sobre escritura, sobre os direitos das pessoas. Trabalhou desde os onze anos, a família dele - o pai, o avô, o irmão - já vinham de cartório. Então eu sempre trabalhei com ele, mais na parte burocrática. Hoje eu sou professora aposentada do Estado, na época eu dava aulas e à tarde trabalhava com ele, atuando na parte burocrática. Fui nomeada como técnica judiciária, mais tarde. Depois dele ter falecido teve uma classificação no Estado do Rio, dos mais antigos - isso antes do concurso, não é? Os mais antigos poderiam promover a titularidade para escrivão. Foi quando, em 1993, fizeram essa classificação e eu entrei. Passei a ser titular. Aí teria que escolher o que tinha vaga. O distribuidor é um cartório pequeno. Notas, registros, que abrange. Porque notas você pode fazer em qualquer cartório, você escolhe qual você quer fazer. Agora, quando você vai registrar essa escritura, você só pode registrar na Circunscrição.
RW: E como manter a motivação no trabalho?
Darci Oliveira: Olha, vou te falar, eu trabalho desde os 19 anos, adoro ter que me movimentar o dia inteiro, eu não sei mais ficar só em casa! Todo mundo me fala "Ah, você tem que descansar", porque eu já tenho uma certa idade... Mas eu penso - o dia passa, aqui no trabalho, tem que fazer anotações, tratar de documentos, pagamentos, o dia passa que eu nem vejo! Se ficar em casa, aposentar, a pessoa vai sucumbir à depressão! O que se vê por aí é muita gente que se aposenta em torno dos sessenta e poucos anos, novos ainda, e ainda dizem "Ah, não sei o que fazer!". Não é o meu caso, sou proativa. Se eu estou em casa, vou fazer uma costura, um bordado. Se a pessoa continuar trabalhando, a pessoa se renova! Eu não sei ficar sem trabalhar! Estou sempre em atividade. Eu estudei em colégio de freiras e lá nós tínhamos sempre muitas atividades. Estudei no Colégio Salesiano. Na época a mulher só fazia o curso normal. Meu desejo era fazer o curso de Direito. Eu queria fazer faculdade! E eu fiz, depois de casada, depois que meus filhos nasceram. Fiz de Pedagogia, porque eu era professora e precisava melhorar, então tive que fazer o curso superior de Pedagogia. Mas eu pensei a seguir - não é o que eu quero... O que eu quero é o Direito! E diz a faculdade de Direito... Eu trabalhava durante o dia e às 18 horas ia para o curso, chegava às 11 horas da noite e tinha 4 filhos em casa! Então essa atividade toda, é isso que me dá vida! Gosto de viajar também. Adoro conhecer o mundo! Hoje o senhor sabe que a pessoa de cartório não pode exercer a função. Eu sou Bacharel em Direito, mas não exerço.
RW: A senhora nota que a vida no campo refaz a pessoa? Ou a senhora pensa que o próprio trabalho é o incentivo?
Darci Oliveira: Sim, eu tenho uma fazenda. Meu pai sempre foi fazendeiro, nasci na fazenda, fui criada no campo. É em Itaocara.
RW: Campos é uma cidade linda.
Darci Oliveira: Na época era muito bom! Agora cresceu muito.
RW: Que motivação que a senhora passa aos novos tecnólogos em área cartorária ou até mesmo aos bacharéis em Direito? Que motivação a senhora diria para eles terem?
Darci Oliveira: Hoje tem que fazer concurso. É uma área muito boa. Você é independente... apesar de eu ser delegada do Tribunal – a pessoa tem que mandar tudo pela internet, tem comunicação direta com o Tribunal – mas também significa que é um trabalho seu. Você decide, dá ordens. É acompanhada o tempo todo! Mas é independente, não tem aqueles horários rígidos. As pessoas às vezes dizem "Ah, o cartório dá dinheiro" - não é bem assim. Tem cinco, dez, que ganham muito dinheiro, mas tem os cartórios pequenos também. Tem o interior inteiro.
MW: E todos se reúnem em alguma associação?
Darci Oliveira: Tem reuniões, sim. Tem congressos cartorários. Antigamente era um meio muito disputado, mas hoje o pessoal tenta se unir - até para não perder, porque a intenção geral era querer acabar com os cartórios! Teve uma época em que uma parte foi oficializada - e podia-se escolher: ficar no extraoficial ou no oficializado. Então não deu muito certo, aí voltou outra vez para o eixo oficial.
RW: E para as pessoas que estão com sonhos para o futuro de terem um trabalho coligado à área de cartório. Agora tem o Tecnólogo de Serviços Jurídicos e Notariais. A senhora vê alguma possibilidade aos novos?
Darci Oliveira: Hoje é tudo através de concurso. Inclusive está havendo, no momento, um concurso. Já teve a primeira prova, no início do ano. A segunda prova é em novembro. Tem muita gente aposentada, juízes e pessoas da justiça aposentadas, que faz o concurso.
RW: Para concluirmos a nossa entrevista, dê um palavra às novas gerações, para os futuros advogados, e pessoas que pretendem entrar na área do Direito.
Darci Oliveira: Primeiro é amor à profissão. Tem que estudar muito, hoje, pois a competição é muito grande. Para entrar em qualquer concurso você tem que ser o melhor. Às vezes na faculdade não estuda muito. Mas lá na frente percebe que tem que estudar muito, senão não consegue nada! A prática da vida, hoje é que encaminha todos. Para concurso, tem que ser bom mesmo! E tem muita gente boa, muita gente que estuda! É muita competição. Tem que gostar de estudar. E tem gente que não estuda nada... é complicada. Todos podem vencer. É estudar e ter vontade de conseguir realizar o seu corpo. Vontade de ser alguém. Mas a nossa educação de hoje está dependendo muito lá da alfabetização, não é? Porque se a pessoa não faz bem aquele "primário", se a criança não aprende bem a ler, ela encontra dificuldades no estudo pelo resto da vida. E o Estado não está valorizando muito o professor inicial. Eu que alfabetizei meus filhos.
MW: Isso é realização.
Darci Oliveira: É, eu me sinto realizada, graças a Deus. E espero trabalhar até o último dos meus dias de vida!
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