Se há amor entre Romeu e Julieta, porque tantos desencontros?

Ou Shakespeare é um escritor que não entende nada sobre dramas de amor...


Amor - Cada Caso É Um Caso 3



É a minha vez de ser atendida, e amavelmente, uma moça me diz: "Pode sentar, já vou lhe atender. É o sistema que saiu do ar. Temos que esperar um pouco". Curiosa de saber qual o número da placa de carro que vai vir para mim, pois na minha vida número é tudo, aguardo o atendimento do Detran. Com a tela do computador virada de costas para o cliente que chega, não há nada para ver, distrair, além de ouvir os assuntos da sala. Ao meu lado uma moça desliga o seu telefone e, sem querer, fala em voz alta: "Depois de cinco anos sem dar notícias, meu ex volta e diz que eu sou o amor da vida dele... Quem pode acreditar? Ele quer é se 'encostar'". 
A história me provoca na hora uma questão: "Será? Não terá ele amadurecido e compreendendo agora quem é o amor verdadeiro que passou na vida dele?"
Ela dá uma risada solta: "Ele me deixou com uma filha recém-nascida e nunca veio conhecer esta filha!". Num lapso de lembranças conto também uma história pungente: "Conheci uma moça, da loja Bonita em São Paulo. Ela ganhava muito bem como vendedora de roupas infantis. O grande sonho da vida dela - casar com o namorado que ela tanto amava, e ter filhos com ele. Nesses tempos atuais, essa não é bem a sequência. Ela engravidou e veio toda feliz contar a novidade. Ele quase bateu nela. Terminou na hora o relacionamento e nunca mais voltou. Depois ela soube - ele fez aquela cirurgia para não ter filhos. E assim a notícia de gravidez pareceu a ele uma prova de traição. Chorando muito, a moça desabafou "O médico me disse que nem sempre a vasectomia é 100%". Eu não tenho ninguém na vida além desse amor". Passados cinco anos, ele não casou, e, por curiosidade, contratou um detetive para saber o paradeiro do menino. Descobriu que o garoto estava com os avós, na Bahia. Ao ver as fotos daquele menino, criado descalço no sertão baiano - ele não teve dúvidas: "é a minha cara! Sou o pai!". 
"E o casal, voltou a ficar junto?", quis saber a moça que não estava nem aí para o ex-que-voltou-apaixonado...
"Não. Ele fez um processo e provou que tinha mais oportunidades a dar para o menino. É aquela história - o pai milionário logo convenceu o juiz que tinha condições de dar melhores escolas, conforto. E tirou dela a guarda do filho. Este veio morar com o pai numa mansão do Jardim Paulista".
A seguir, senta-se no outro guichê o homem que aguardava ali próximo. Sorrindo, completou nossos enredos com o drama de amor dele - "Minha atual mulher foi abandonada pelo marido quando estava com 18 anos. Agora estamos juntos - ela tem 30 - e o ex apareceu para ver os dois filhos. Nessa Páscoa, ele foi para a casa da minha sogra, e ali ficou todo o feriado. Sentou no sofá para ver TV, veio para a mesa de almoço de Páscoa, junto conosco, e eu não sei mais o que dizer..."
"Sente ciúmes dela?", quis saber mais dessa confusa situação deles.
"Esses filhos criam muitos encontros entre minha mulher e o ex". 
O homem nem sabe, ele mesmo, os sentimentos complexos que se envolvem nessa história dele.
"Ah, voltou o sistema!", diz a primeira moça que falou comigo.
Agarrei minha linda numeração e fui confeccionar a placa e não vi mais aquelas pessoas, para chegar a um termo nas histórias. 
Caminhando pelo bairro (afinal, carro exige muito exercício para não nos acomodar demais). E encontramos duas pessoas conhecidas. Um carro parado embaixo de uma frondosa árvore e os tons róseos do pôr-do-sol ilumina o sorriso dos dois. Ele, de um lado da porta, e ela do lado oposto, perto da outra porta. Estão, os dois, perto/longe. Ela me diz - "Esse é o meu ex. Ele veio ver nosso filho". 
Gosto de provocar a reação das pessoas. É o que eu penso ao perguntar: "Com esse sorriso tão lindo dos dois, como é que vocês se separaram?". A moça diz em tom de desculpa "Ele agora é casado e tem um filho de 6 meses". 
O jovem sorri outra vez, percebo uma luz especial naqueles olhos. ("Ele ainda ama esta moça" - é a minha conclusão). Já disse que sou curiosa, por isso cheguei mais perto e perguntei quase num segredo no ouvido dele, "E você, não se arrependeu de ter se separado?" - "Sim, eu me arrependi. Era muito jovem ainda, impulsivo".
Assim vejo claramente que neste caso, os dois ainda se amam. 
E aí, senhor Shakespeare, como é que fica isso tudo? Nos dramas deste veloz mundo moderno, sofre-se, lentamente, por amor.



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